O MARKETING DO CACAU E O DA CACHAÇA

 

A política de marketing do cacau é muito tímida

Por Walmir Rosário*

O cultivo do cacau, ou mais especificamente o legado sociocultural e econômico transmitido pela cultura do cacau, nos deixou mal acostumados, a ponto de não buscarmos novas fontes de agregação de valores ao nosso principal produto. Isto é fato e não se discute mais. Qualquer novidade a ser implantada sempre nos desperta a sensação de que estamos incursionando pelo caminho mais difícil e de menor valia.

Atavicamente, até movidos pelos resultados financeiros obtidos com a venda do cacau em amêndoas, nos escusamos em investir na agroindústria. E isto não é de agora, época em que os cacauicultores estão realmente descapitalizados. Antes, quando obtínhamos preços justos pela produção, nos sentíamos satisfeitos e dizíamos que nossa vocação era a de produtor, outros que cuidassem de produzir.

Realmente, os outros, a exemplo dos gringos da Nestlé, Garoto, Lacta e por aí afora, se dedicavam a esta difícil e espinhosa tarefa. Por ter realizado esse “sacrifício”, foram bem remunerados, ganharam dinheiro. Muito, por sinal. Somente a título de lembrança, sozinha, a Chocolates Garoto, instalada em Vitória (ES), faturava com a industrialização quase o dobro da produção de cacau em bagas de todo o Sul da Bahia.

Não fossem investimentos de empresários visionários e, por que não dizer teimosos, a exemplo de Hans Schaeppi, que resolveu dar gostos aromas, sabores e licores de chocolate em nosso cacau, ainda hoje teríamos que nos deslocar ao Sul do País (Gramado como exemplo), para degustar um chocolate caseiro.

Mas como a economia regional não se resume à cacauicultura, apesar de ser nossa mais importante matriz econômica, outras atividades podem e devem ser incrementadas. Entretanto, com a globalização da economia, hoje não basta apenas produzir, e sim produzir bem, adicionando valores capazes de diferenciar o produto de outros existentes no mercado.

Um bom exemplo desse descaso ou falta de vocação do produtor do Sul da Bahia é a cachaça. O que para uns pode ser a perdição física e moral, a outros pode significar um negócio das arábias, ou contemporaneamente, da China. Isto mesmo, produzir cachaça é um grande negócio, e que o digam produtores de Minas Gerais, principalmente da cidade de Salinas, que conferem à bebida status e dignidade dos grandes scotchs.

Esta semana, ao receber um release do Ministério da Agricultura que deu entrada no pedido de registro da Indicação Geográfica (IG) na modalidade Indicação de Procedência, Paraty, no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). Com o reconhecimento, só poderá ter o nome Paraty a cachaça produzida naquele município, a exemplo do que já acontece com a champagne produzida na França.

Coqueiro, cachaça com o IG de Paraty
Não é de hoje que a palavra paraty é sinônimo da cachaça fabricada no município do litoral carioca do mesmo nome. Até o escritor Aloísio de Azevedo, no livro O cortiço, já fazia referência à aguardente. A partir de agora, o substantivo paraty servirá para identificar toda cachaça produzida naquela região do Rio de Janeiro, seguindo as diretrizes da certificação de origem.

Como um dos grandes apreciadores da cachaça de Paraty, louvo a ideia da Associação dos Produtores e Amigos da Cachaça Artesanal de Paraty (Apacap), técnicos do Mapa e da SFA (RJ) e do Serviço Brasileiro de Apoio a Micro e Pequena Empresa (Sebrae). Ressalto, entretanto, que lá, os donos de alambique são empresários preocupados com seus negócios.

Em vez de se acomodarem, os produtores de cachaça de Paraty foram em busca de novos ingredientes para alavancar o desenvolvimento do negócio cachaça junto aos órgãos técnicos. E conseguiram. Os empresários cobram e aos organismos governamentais atendem, como é próprio de um país democrático e que as instituições funcionam.

Infelizmente não se pode dizer o mesmo no Sul da Bahia, onde as instituições não têm a mesma importância das pessoas. Em nossa região produzimos excelentes cachaças, fruto apenas do empreendedorismo de alguns produtores, a exemplo de Elmiro, em Itajuípe. Mas que não passa disso. Nenhum órgão governamental tem feito pesquisas nesta área. Sejam elas agronômicas, com a finalidade de construir material genético com teores de açúcar compatíveis com a produção e qualidade da cachaça, ou sobre a adubação ideal.

A mesma inércia acomete órgãos que, teoricamente, teriam como finalidade acompanhar e desenvolver produtos, a exemplo do Sebrae. Nossos produtos primam pela qualidade, mas são relegados à condição de primos pobres de outras bebidas, a exemplo do uísque, Steinhaeger, rum, saquê, vinho, dentre outros. A não ser que percorram o caminho trilhado por grandes produtores de São Paulo, ou os tradicionais de Minas Gerais.

A técnica do Ministério da Agricultura responsável pela área, Bivanilda Almeida Tapias, explica que o Mapa atualmente está trabalhando em 10 projetos já selecionados no diagnóstico nacional de potenciais Indicações Geográficas (IG) de produtos agropecuários como o queijo, açafrão da terra, café e outros tipos de cachaça em outras regiões do Brasil. Estes trabalhos são conduzidos pelos fiscais federais agropecuários das superintendências federais de agricultura nos estados, que têm sido treinados para acompanhar todo o processo de reconhecimento e proteção das IG.

O IG é uma prática secular na Europa, mas no Brasil a Lei de Propriedade Industrial (Lei 9.279) é de 1996 e só há cinco anos está sendo efetivamente colocada em prática. A União Européia tem mais de três mil produtos agropecuários registrados como IG. Enquanto isso, ainda estamos engatinhando nesta área, apesar de a nossa cachaça ser produzida desde o século XVIII, como é o caso de Paraty, que passou a ser sinônimo de cachaça.

Tenho de parabenizar os fabricantes de cachaça de Paraty, principalmente aos meus amigos Eduardo e Luiz Mello, filhos e netos de cachaceiros; Anísio Gama, José Carlos (Socó) e a viúva Mazinho pelos 300 mil litros de cachaça produzidos anualmente. O setor é a segunda maior fonte de renda do município, ficando atrás apenas do turismo. Ao mesmo tempo, só me resta solicitar às autoridades governamentais que olhe com responsabilidade para um dos segmentos produtivos mais promissores.

Ah, já ia me esquecendo: quanto à qualidade da cachaça de Paraty, posso atestar que se trata de uma bebida sublime, digna dos melhores, exigentes e mais refinados paladares. Não é à toa que costumo beber, com muita parcimônia o estoque que mantenho em casa da “Coqueiro”, a mim presenteada pelos amigos e cachaceiros Eduardo Mello e Antônio Carlos Melo.

Sorry, periferia…

* Radialista, jornalista e advogado

 Publicado no jornal Agora em 08-12-2006


Comentários