AS MUDANÇAS POLÍTICAS E AS VÍTIMAS DO SISTEMA


 Por Walmir Rosário

Corria aí metade os anos 1980 com o Brasil em efervescência com a volta do civis ao comando do país, quando então os movimentos sociais começaram a ser organizados pelos funcionários da Ceplac. Pelo visto, em todo o Brasil as greves eram inevitáveis, diante da falta de sensibilidade (falta de costume) da direção de empresas públicas (até privadas) em ouvir e negociar as reivindicações dos trabalhadores.

Era a famosa queda de braço entre as duas partes em conflito: patrões e empregados. A primeira acreditando que a força ainda imperava, enquanto a segunda tinha a convicção de que era chegado o momento de testar as afirmações do presidente general Figueiredo de que o país caminhava para uma democracia, “nem que fosse na marra”. Quem sabe faz a hora não espera acontecer, exatamente como na música de Geraldo Vandré.

Saem os militares, entram os civis, capitaneado por José Sarney – instrumento dos militares, que soube pongar na redemocratização do país com a campanha Diretas Já! – após a morte de Tancredo Neves. Junto com ele, sobem pela rampa do Palácio do Planalto os militantes do PMDB, responsáveis pela luta contra os militares, apesar de um tanto desfigurado com o acréscimo da “letra P” ao velho MDB cansado de guerra.

Em Ilhéus, um dos próceres do partido, o médico e deputado Jorge Viana reivindica a indicação da direção da Ceplac prometendo “virar a instituição de cabeça pra baixo” e impor novos ritmos. Para tanto, indica a nomeação do advogado Josuelito Brito secretário-geral e busca ex-funcionários do órgão considerados injustiçados para imprimir o novo projeto. Entre eles, eis que chega o engenheiro agrônomo Ubaldino Dantas, ex-chefe do Departamento de Extensão (Depex), para dirigir a Coordenadoria Regional para a Bahia e Espírito Santo (Coreg).

Homem afeito ao diálogo e costumeiro cumpridor da palavra empenhada, Ubaldino Dantas prevê a mudança de costumes na relação trabalhista e atende as reivindicações dos funcionários, cedendo o ginásio de esportes da Ceplac para a realização da primeira assembleia. Lá, na presença de mais de mil ceplaqueanos vindos de escritórios locais e estações experimentais da região, celebram a volta da democracia e fundam o Conselho das Entidades Representativas dos Funcionários da Ceplac, formado por membros da Associação dos Funcionários da Ceplac (AFC), Sociedade dos Engenheiros Agrônomos do Cacau (Seac) e Sociedade dos Técnicos Agrícolas do Cacau (Stac).

Àquela época, havia uma diversidade de pensamento muito grande entre os funcionários da Ceplac – considerada parte da elite regional –, parte contrária à criação do Conselho das Entidades – pela predominância da esquerda – e outros tantos pretendendo mudar o status quo. Como prometiam os políticos que todos os problemas deixariam de existir, os funcionários se uniram pela propalada mudança.

E o coordenador-regional Ubaldino Dantas era uma das pessoas mais aguardadas na assembleia, que demorava pra começar e causava ansiedade nos presentes, dada a importância histórica do ato. Lá pras tantas, quase no fim da tarde, eis que chega Ubaldino, faz discurso pró-funcionários e deixa o encontro. Dava para notar a apreensão dos ocupantes de cargos de confiança, que após a saída de Ubaldino resolveram voltar ao prédio da coordenadoria.

Lá tomaram conhecimento da realidade, por conta dos fatos ocorridos antes da assembleia. Pressionado pelo secretário-geral Josuelito Brito a não permitir a realização da assembleia dentro da área e no horário do expediente, Ubaldino Dantas não cedeu e garantiu a palavra empenhada, mesmo pagando um alto preço: a exoneração do cargo de coordenador e do quadro técnico da Ceplac, que tinha ocupado muito recentemente.

E naquele clima pesado os funcionários da Ceplac se deram conta da primeira vítima fabricada pelo novo sistema em vigor, mas nada poderia ser feito para reverter a decisão tomada pela direção em Brasília. Para os dirigentes do Conselho das Entidades – comandado pelo PT, PCB e PCdoB – a queda de Ubaldino não era problema dos funcionários e sim dos dirigentes do PMDB, que ficariam mais enfraquecidos.

Refeitos os ânimos, os funcionários ficaram sabendo que a situação poderia ter se complicado, ainda mais, caso Ubaldino Dantas tivesse voltado atrás na sua decisão de liberar a realização da assembleia no ginásio de esportes e em horário de trabalho. Porém, em vez de aceitar as pressões, Ubaldino preferiu a demissão por telefone e ir assistir a assembleia histórica da Ceplac. Um sujeito de fibra, sem sombra de dúvida.

Comentários