ENQUANTO HOUVER GELO, HÁ ESPERANÇA

 

Por Walmir Rosário

Na tarde/noite desta segunda-feira (1º) – às vésperas do dia consagrado a Iemanjá – a política brasileira viveu um dia de decisões em seu parlamento nacional, com as eleições para as presidências da Câmara dos Deputados e o Senado Federal. A disputa, convenhamos, não deveria merecer toda essa torcida pelo Brasil afora, mas ganhou status de copa do mundo, guardadas as devidas proporções.

Os resultados foram todos previsíveis, com a vitória consagradora dos candidatos apoiados pelo presidente da República, como sempre acontece, com exceção da eleição do deputado federal pernambucano Severino Cavalcanti, considerada uma zebra por falta de articulação. Como se não bastasse, a imposição do candidato do governo, Luís Eduardo Greenhalgh, foi fatal para vitória do baixo clero.

E a zebra pariu filhotes sem pais conhecidos, tanto assim, que a vida parlamentar de Severino durou pouco e submergiu no mar revolto da corrução, sendo obrigado a renunciar ao mandato de deputado. Fora dessas questões, essas eleições não passam de resultado de costuras política, o chamado acordo para a governabilidade, que une os diferentes pelo que têm de igualdade (é mole?).

No Congresso Nacional (Senado e Câmara), as bancadas de direita e esquerda nem sempre produzem os debates ideológicos pregados nas campanhas eleitorais aos incautos eleitores. Pelo contrário, os novos, em busca de conhecimento sobre a nobre missão parlamentar, aprendem mais que depressa como se locomoverem com rapidez sobre os temas do seu interesse, em detrimento dos de seus representados.

Essa prática não é nova em Brasília, embora a cada dia seja aperfeiçoada por nossos valorosos representantes, a ponto de se tornar corriqueira no planalto central a célebre frase: “No Parlamento até a raiva é combinada”. Ganha espaço e votos quem se articula e mantém a palavra empenhada. Também é muito salutar combinar, nos restaurantes, o que cada um vai discursar no dia seguinte. E não se preocupe com os adjetivos.

E assim fizeram os candidatos Rodrigo Pacheco e Arthur Lira, com o apoio explícito do Executivo, cansado de apanhar do presidente da Câmara Federal, Rodrigo Maia, ao ser contrariado nos seus interesses em permanecer na velha política. Caso Bolsonaro tivesse praticado os ensinamentos do sábio Tancredo Neves, de que político deveria ter medo até de descer do meio-fio, teria vencido seu oponente há tempos.

Por uma razão ou outra de conveniência ou convicção, Bolsonaro resolveu partir para a briga, repercutida de forma geométrica pela grande imprensa, também contrariada nos seus interesses. E nessa queda de braço, perdemos nós, brasileiros, que pagamos uma conta que não contraímos. Pelo menos relembramos a famosa fase dos tempos do governo militar – “bateu levou” – revivendo seus períodos de glória.

Do jeito que os descompassos aconteciam em Brasília, com reflexos quase sempre negativos para o país, as eleições para as Mesas das duas casas legislativas passaram a ter igual ou mais importância do que a própria eleição nacional para a escolha dos nossos parlamentares. É a chamada jabuticaba brasileira, em que o acessório passa a ter mais importância que o principal.

Quando eu disse que essa eleição ganhou status de copa do mundo, não errei, apenas aumentei um pouco a importância da política, que deveria ser a verdadeiramente paixão nacional, deixando o futebol em segundo lugar. Mas como no Brasil segundo colocado é o primeiro perdedor, os políticos – em sua essência – fazem de tudo para não serem considerados vice-campeões.

E tem todo o sentido. Não é de agora que as aparências da política se aproximam das praticadas no mundo do futebol. Como no Brasil não existe a candidatura independente, o cidadão precisa se filiar a um partido político para aspirar a um cargo executivo e legislativo. Teoricamente, seria um “soldado” do partido ao qual se filiou, aceitando o seu ideário.

Mas nem sempre é assim, costumeiramente, o estatuto partidário se transforma em algo incompatível (mesmo sem ter mudado uma vírgula), e ele apenas aguarda que se abra a portinhola (ou janela) para o troca-troca de partido, como acontece com a troca de jogadores em todo o mundo. Não faz o político nada de errado a proceder assim – dentro da legalidade –, embora não consulte o eleitor a quem representa sobre a mudança.

Não sei por qual motivo ainda escrevo sobre o tema político – mesmo sendo um cidadão no pleno gozo de seus direitos eleitorais –, talvez por acreditar que mais Brasil e menos Brasília seja benéfico para a nação. Como todo o bom boêmio otimista, tenho que continuar confiando que, enquanto houver gelo haverá esperança de que um novo litro de whisky estará a caminho e não tardará.


Comentários