FUI CONFIAR NO GRAVADOR, ME SALVOU A MEMÓRIA

 

Rodoviária e Centro de Abastecimento 

Walmir Rosário*

No século passado a vida do jornalista não era nada fácil. Trabalhávamos bastante em dois ou três empregos e ainda tínhamos a possibilidade de faturar uma grana extra, com a realização de freelances, o que era muito natural. Trabalho ou emprego não faltavam, principalmente com a chegada das emissoras de televisão e as assessorias de imprensa, que abriram um grande campo de trabalho em todas as áreas da comunicação.

Esses rendimentos extras não eram suficientes para acumular fortuna, mas davam para viver dignamente, frequentar os bares e restaurantes da moda e ainda dar uma educação de qualidade aos filhos. Para tanto, precisávamos trabalhar um pouco mais e até enfrentar algumas viagens. Trabalho existia, era apenas uma questão de administrar o tempo para conseguir entregar as matérias em cada um dos veículos no deadline exigido.

Às vezes o jornalista não dependia apenas da inteligência e da técnica para elaborar os textos e dependia, também, da obra do acaso, com os equipamentos tecnológicos que dispunham. Além das boas fontes, que nos rendiam informações privilegiadas, dependíamos de uma máquina de escrever (datilografia) e de gravadores e fita cassetes em bom estado de conservação.

Era muito comum eu comentar que iria a uma cidade realizar uma reportagem para um determinado jornal e ser incumbido por outro para trazer outro material jornalístico, ou até o mesmo, que seria dado um texto diferente. Volta e meia produzíamos material para emissoras de rádio, bastando que fizéssemos uma edição da fita para adequarmos ao meio de comunicação.

Pois bem, se pensam os leitores, que para o desempenho da profissão basta o conhecimento, garanto-lhes que uma boa dose de cuidado e muito sorte também é fundamental. De antemão, aviso que àquela época não dispúnhamos da tecnologia hoje existente, como os aparelhos celulares, capazes de transmitirmos os fatos na hora do ocorrido e com total qualidade.

Em 1993, trabalhava esse cronista no Correio da Bahia e em A Região (Itabuna), quando fui escalado para cobrir a inauguração da estação rodoviária e do centro de abastecimento, em Canavieiras. E a encomenda era produzir duas páginas para o Correio da Bahia (ainda tamanho standard) e uma para a Região (tabloide 30x45), empreitada considerada tranquila e rápida.

Na data aprazada eu e o fotógrafo Jorge Bittencourt nos deslocamos de Itabuna para realizar as matérias. Ao chegarmos em Canavieiras, paramos na estação rodoviária, que seria inaugurada primeiro, onde encontramos o colega jornalista Tyrone Perrucho e começamos a conversar sobre as nuances da política local, inclusive o rompimento da cria e criador, o ex-prefeito Almir Melo e o atual, Otoniel Mendes Cassemiro Neto.

Expliquei que não deveríamos ter nenhuma surpresa nos discursos, haja vista que o grupo precursor – especialmente da Casa Militar – já teriam tomados todas as precauções para evitar as dissidências em público. Inaugurada a rodoviária, rumamos para o centro de abastecimento, palco da segunda inauguração, esta festiva, com palanque montado para os discursos políticos.

Como continuei a conversar com Tyrone Perrucho sobre o ex e o atual prefeito, liguei o gravador e o coloquei em cima de uma caixa de som ao lado do palanque. O governador ACM no centro do palanque, ladeado pelos então adversários Almir Melo e Otoniel Cassemiro, os discursos foram proferidos dentro da maior cordialidade, voltados apenas para o desenvolvimento econômico e social de Canavieiras e seu povo.

Final do evento, retornamos a Itabuna para escrever as matérias. Ligo e gravador e silêncio total, volto a fita, tento de novo, não saía nem mesmo um cochicho, quanto mais as vozes entusiasmadas dos oradores políticos. Senti minha cabeça rodar na velocidade de um raio, senti o estômago faminto embrulhar e pensei no que dizer como desculpa de, pela primeira vez, não entregar um trabalho.

Lavei o rosto, respirei e comecei a relembrar do diálogo que travei com Tyrone Perrucho sobre os discursos. Como tinha recebido da Agecom os dados relativos à obra, sentei e comecei a dedilhar as “carrapetas” da velha Olivetti e o texto começou a fluir sobre a parte política. Terminei a página de A Região e, imediatamente iniciei as duas páginas do Correio da Bahia (publicidade contratada pela Prefeitura de Canavieiras).

Deste dia em diante, não mais confiei em gravador e fita cassete, e voltei a adotar o velho costume do rádio, verificando se a gravação estava perfeita ou mereceria ser refeita, por qualquer motivo. Como o alimento do jornalista – e da comunicação – é a informação, não custa nada conversar bastante sobre o fato ou ato que foi incumbido de cobrir. Basta adotar a velha máxima: o que abunda não vicia.


Comentários

  1. Imagino a sensação de vazio que você ficou ao ligar o gravador...nada gravado...é de sentir o chão sumir dos pés. 😁🌻👏 Viva a sua memória e inteligência!

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  2. O jornalista raiz não se aperta na falha ou falta da tecnologia.
    Parabéns Walmir Rosário pelas boas lembranças e pelo excelente artigo

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