Por Walmir Rosário
Esta história que me proponha a narrar será novidade para um mundão
de gente, mesmo os que são apaixonados pelo futebol baiano. O motivo
é muito simples: muitos dos que terão acesso a essa crônica não
tiveram a oportunidade de ver esses times nos gramados, sejam da
capital soteropolitana ou de Itabuna, pois quando o caso aconteceu, logo depois de encerrada a segunda guerra mundial. Nem eu ainda era
vivo.
Imagine vocês um time médio da capital baiana pedir socorro a um
coirmão de Itabuna para se sagrar campeão baiano. Sim, essa façanha
realmente aconteceu e está registrada nas atas da vetusta Federação
Bahiana de Futebol. Essa equipe era a Associação Desportiva
Guarany, fundada em 12 de janeiro de 1920, mas que somente realizou
essa proeza em 1946, após levar 10 jogadores da Associação
Atlética de Itabuna.
Lembro bem de um depoimento concedido aos jornalistas José Adervan,
Ramiro Aquino e este locutor que vos fala, Walmir Rosário, pelo
ex-diretor do banco Econômico, Carlos Botelho, grande conhecedor de
futebol baiano. Na entrevista, Botelho cita a década de 1940 como um
dos períodos mais férteis do futebol itabunense, apesar da guerra,
que convocou reservistas do Grêmio, Janízaros e Associação
Atlética de Itabuna (AAI).
Botelho não deixou por menos e garantiu que a equipe da Associação
Atlética foi o melhor time do interior baiano, naquela época
dirigido por José Nunes de Aquino, Clóvis Nunes, Horácio Almeida,
Domingos Almeida, lembrados com saudades pelos que o conheceram. Ele
conta que era um time de decisão e acumulava campeonatos, apesar das
equipes adversárias, como Grêmio Janízaros, Vasco da Gama, entre
outros.
Time de elite, não se contentava, em todos os sentidos, com excelentes jogadores, era exigente a ponto de praticar alguma forma
de racismo, vigente na época (à maneira do Fluminense do Rio), pois
jogadores com tez mais escura não entravam no time. Basta ver um dos
seus melhores elencos, formado por Balancê, Ventuíres e Aranha;
Aloísio Smith, Valter Caetano e Anizinho; Tido, Galeão, Clóvis,
Rosevaldo e Firmino, quase todos brancos.
Foi um custo contratar o primeiro homem de cor escura, o zagueiro
Ruído, vindo de Jequié, o que provocou bastante celeuma. Com o
passar dos anos, a Associação chegou a armar um time com jogadores
negros, entre eles Balancê, Dircinho e Álvaro Barbeiro. Nesse
período, destaca-se o atacante Pipio, um grande craque, que depois
foi jogar no Bahia e, posteriormente no Pará, onde morreu.
Dessa mistura, na qual era permitida a presença de negros, a AAI se
tornou, talvez, o maior time do interior baiano de todos os tempos,
formado por Niraldo ou Mota, Bolívar e Bacamarte; Zecão, Amaral e
Elvécio; Tombinho, Puruca, Juca Alfaiate, Tuta e Zezé. Era uma
equipe invencível, que não se preocupava com os adversários, dada
a qualidade de seus atletas. Entrava em campo para ganhar, só não
se sabia qual o placar.
Embora a Associação Atlética de Itabuna, reinasse absoluta em
campo, tinha, pelo menos, um adversário à altura. O Grêmio, que
por volta de 1943 e 44, em plena Segunda Guerra, era outro grande
time amador de Itabuna, classificando-se em segundo lugar, logo
depois da Associação. A melhor formação do Grêmio, segundo
Botelho, era: Babão; Sapateiro e Lameu; Zeferino, Noca e Colatina;
Manchinha, Lubião, Juca, Macaquinho e Elísio. Observe-se que um
futuro grande valor da AAI, Juca Alfaiate, nesse período, envergava
a camisa do Grêmio.
A Associação Atlética Itabunense teve uma história gloriosa, o
que é inegável até pelos adversários. Onde se tinha notícia de
um grande jogador, a diretoria não media esforços para contratá-lo
e assim formou a equipe mais temida do interior da Bahia. Faturou a
maioria dos campeonatos de Itabuna, conquistando o título inédito
de pentacampeão entre os anos de 42 a 46, mesmo sem os 10 jogadores que
foram para o Guarany.
E essa notícia chegou à capital baiana pelos dirigentes e jogadores
das equipes soteropolitanas que vinham jogar partidas amistosas com
os times das cidades do Sul da Bahia. Quando aqui chegavam davam de
testa com a vencedora equipe da Associação, que não costumava a
passar vergonha em campo, perdendo para um time qualquer que fosse,
mesmo de Salvador.
E num jogo desses amistosos, a pequena, porém aguerrida equipe do
Guarany se encantou com os atletas da Associação e vislumbraram a
oportunidade de aparecer entre os grandes da capital. Com esse time
da Associação era tiro e queda, não perderiam uma partida para
seus rivais de Salvador. Quem sabe, ganhariam o campeonato baiano sem
muito trabalho.
Esse feito foi o bastante para que os dirigentes do Guarani, de
Salvador, contratassem 10 jogadores titulares da Associação. Entre
os craques que deixaram a Associação estavam Bolívar, Bacamarte,
Quiba, Elísio Peito de Pomba (o reserva de Juca Alfaiate), Elvécio,
Tuta, além de outros quatro, cujos nomes que falharam a memória. Com
esse timaço, o Guarani venceu o Campeonato Baiano de 1946, sua única
conquista.
Foi o primeiro e único campeonato faturado, disputando a fase final
numa melhor de três com o Ypiranga. Empatou a primeira por 2X2,
vencendo a segunda por 1X0 e despachando o seu vice por 2X0 na
terceira partida. Anos depois o Guarany abandona o futebol e nem
mesmo sei se ainda existe. Mas que foi campeão baiano com os
jogadores de Itabuna, ninguém há de duvidar.
Comentários
Postar um comentário