Até o trem de ferro foi tomado pelos ilheenses |
Por Walmir
Rosário*
As relações de amizade entre a população e
autoridades de Itabuna e Ilhéus nunca foram das melhores e remontam desde o
tempo em que Itabuna era Tabocas, distrito de Ilhéus. A inimizade foi ampliada
com a autonomia político-administrativa e se tornou mais acirrada com as
disputas futebolísticas entre as equipes das duas cidades, o que perdura até os
dias de hoje, sem qualquer prazo para acabar.
No livro “Bahia, Terra, Suor e Sangue;
lembrança do passado/História da Região Cacaueira, o autor José Pereira da
Costa narra, com pormenores, a guerra travada entre as duas torcidas. Em 1920, jogaram em Ilhéus o Rio Branco Esporte Clube, de Itabuna, contra o
Ypiranga Esporte Clube, de Ilhéus, partida que quase se transformara numa
tragédia entre as populações das duas cidades.
Toda essa confusão remonta de 10 de maio de
1897, quando Itabuna solicita ao Conselho Administrativo de Ilhéus, através de
um memorando, a sua emancipação de Ilhéus. O memorando foi esquecido numa
gaveta qualquer e, novamente, em 1906, foi enviado, desta vez ao governador da
Província da Bahia, José Marcelino, azedando ainda mais a frágil relação.
De outra feita, em 1907, por ocasião da inauguração do Palácio Paranaguá, Dr.
Xavier, genro do fundador de Itabuna, Firmino Alves, fora
convidado na qualidade de orador das festividades. No discurso, prometeu construir prédio ainda
melhor de que o Paranaguá para a administração de Itabuna. Resultado, o orador foi apedrejado e teve que voltar para
Itabuna escondido.
Mas voltando ao tema que nos interessa, em
1920, para a peleja entre o Rio Branco (Itabuna) e o
Ypiranga (Ilhéus), a diretoria do time
itabunense fretou um
trem especial com 20 classes para atender aos torcedores
ávidos para
assistir à partida. No dia, saíram bem cedo com
destino a Ilhéus, acompanhados
da Filarmônica Minerva. Tinha tudo para ser uma grande festa de congraçamento
entre as duas cidades.
Entretanto, o jogador João Rego, do Rio Branco, logo
após de ter feito o primeiro gol e o único da partida, sofreu uma agressão do
filho do Dr. Soares Lopes, e teve o nariz quebrado. Jogo paralisado e início de
briga entre as duas torcidas. Para
cessar o grande tumulto, pessoas das duas cidades,
pediram paz, embora alguns ilheenses passassem a jogar água quente nos itabunenses.
Não bastasse a briga em campo, pessoas influentes
pressionaram a direção do
Hotel Coelho para que fechasse as portas, não permitindo,
sequer, que os jogadores pegassem suas roupas. Como a direção da estrada de ferro era de Ilhéus, tampouco permitiu que o trem fretado fosse liberado
para retornar a Itabuna. Por onde passavam, laranjas podres, cebolas, ovos e outros objetos eram atirados nos itabunenses.
Após muitas discussões e promessas de
morte, enfim, conseguem o compromisso para a liberação do trem, puxado pela máquina de número 12 e empurrada pela de nº 01 para subir com as 20
classes na serra da Baleia. Antes, porém, o trem parou, e para surpresa de
todos, os maquinistas tinham sumido. Armaram uma emboscada para deixar os
itabunenses no meio da estrada.
Diante do desespero, eis que surge um cidadão chamado Belmiro, que se encontrava em Itabuna a
passeio e viera assistir ao jogo, e se apresenta como maquinista. E Belmiro
conduz a máquina e os passageiros são e salvos a Itabuna, chegando por volta
das 4 da manhã. Mas apesar das agressões sofridas pela grande comitiva de
Itabuna, o jogo que não terminou estava com o placar de Rio Branco 1X0
Ypiranga, o que valeu para “lavar a alma” dos itabunenses.
Pelo que se sabe, esta foi a primeira das
guerras no futebol entre os papas caranguejos e papas jacas que se tem notícia.
Mais não foi a única. A cada jogo entre os times ou seleções das duas cidades
os torcedores se incumbiam de recepcionar a torcida alheia, se armando com
pedras, paus e o que mais lhe aparecia às vistas. Bastava escolher um local em
que os caminhões passassem devagar para iniciar a artilharia.
E esse espírito beligerante permaneceu por
muito tempo, e cada torcida culpava o adversário pelo início da animosidade,
que se transformou em grandes confrontos. Com o início do Campeonato
Intermunicipal de Amadores da Bahia, as batalhas campais se perpetuaram,
chegando à profissionalização dos times de futebol. Somente a partir de 1980 é
que as torcidas de Ilhéus e Itabuna selaram um armistício e a paz voltou a
reinar nos jogos de futebol entre as duas cidades.
*Radialista,
jornalista e advogado
Vivi essa disputa , adorei e acho que ainda há ,mas sem agressões. Tudo pelo esporte.
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