Juca Alfaiate e família, alguns filhos craques como o pai |
Por Walmir Rosário*
O garoto José Correia da Silva, ou simplesmente Juca, como chamado, era um apaixonado por futebol. Mas também pudera, sabia tudo de bola e desde pequeno fazia gato e sapato dos colegas nos babas em que jogava. “Nasceu para jogar bola”, comentavam. Seus pais eram quem não gostavam nada disso, pois preferiam ver seu filho estudado, formado e estabelecido numa boa profissão.
Assim que parou os estudos, sua mãe, uma exímia costureira, combinou com ele que poderia continuar a jogar bola, mas tinha que dividir o horário com o aprendizado de uma profissão. E assim continuou sua vida dividindo seu tempo entre a alfaiataria em que aprendia a profissão e os campos de futebol. A formação foi mais rápida do que esperava e já se notabilizava no meio de tesouras, linhas, agulhas e máquinas.
Como tinha uma namorada em Santa Rosa – hoje Pau Brasil –, foi tentar a vida por lá. Abriu uma alfaiataria e continuou sua vida na nova localidade, embora não perdesse o vínculo com Itabuna. Por aqui parara de jogar pelo São José e jogava esporadicamente pelo São Cristóvão, embora fosse seduzido pelo Grêmio, um time maior, o segundo mais conceituado de Itabuna.
Um certo dia, na virada da década de 1930/40, Juca, já tendo o Alfaiate incorporado ao seu nome, recebeu um recado da direção do São Cristóvão, que sua presença era imprescindível no próximo domingo. Não contou conversa e se arrumou para a viagem de mais de 20 léguas (medida nordestina), cerca de 120 quilômetros, viagem que seria feita em cinco dias num cavalo bom, igual ao que possuía.
Pois bem, na madrugada da terça-feira, debaixo de muita chuva, Juca Alfaiate sela o cavalo e toma a direção de Itabuna, num caminho bem escorregadio, perigoso, mesmo para um animal forte e conhecedor da estrada como o dele. No início da tarde parou para almoçar numa fazenda e começou a prosear com um trabalhador, que lhe ensinou um caminho mais curto, já que tinha compromisso no domingo.
Juca Alfaiate não conta conversa e segue pelo caminho indicado, que embora mais curto era mais íngreme e perigoso, principalmente com o toró de água que caia dia e noite. Em alguns trechos teve que descer do cavalo e puxá-lo pela rédea. Mais abaixo a situação ficou ainda pior, justamente na travessia de um rio cheio. Amarrou na sela o alforje em que carregava sua roupa, o uniforme do São Cristóvão, a comida que preparara e um revólver para se defender de qualquer malfeitor na estrada.
Travessia feita, parou para dormir no meio da mata e ao raiar do dia continuou seu caminho em busca de Itabuna, até chegar em uma fazenda, na qual parara para descansar, fazer uma boquinha com a comida que ainda restava e tomar novas informações. Continuou sua viagem por mais um dia e uma noite e já estava agoniado com possibilidade de não chegar a tempo para a partida no campo da Desportiva.
Na noite de sexta-feira pede rancho para pernoitar numa fazenda e é aconselhado, se quisesse chegar a tempo em Itabuna, a largar o cavalo e alugar uma canoa para descer rio abaixo. O rio era bastante estreito e sinuoso, embora fundo, com a vegetação alta e cheia de espinhos, da qual tinham – ele e o canoeiro – de se desviarem constantemente. Embora a viagem tenha adiantado estavam todos com ferimentos feitos pelos espinhos.
Pararam para dormir perto do rio Cachoeira, e no dia seguinte – o domingo do jogo – seguiriam para Itabuna. Só que Juca Alfaiate não contava com mais um percalço: logo depois que passaram da Burudanga a canoa vira e ele quase morre afogado com as câimbras. É salvo pelo canoeiro e finalmente chegam ao arruado da Mangabinha, hoje próspero bairro de Itabuna.
Juca Alfaiate se considera um homem de sorte por chegar em Itabuna vivo e não perder seu compromisso o jogo de logo mais, embora estivesse bastante cansado. Mas nem se importava com isso, o que valeria era entrar em campo e ganhar o jogo. Na Mangabinha, parou na casa do técnico para avisar de sua chegada, e foi recebido com broncas pelo seu atraso, por, sequer, ter participado dos treinamentos.
Sem se preocupar com o cansaço, Juca Alfaiate entra em campo, dá um show de bola e marca os três gols da partida, vencida por 3X1. A diretoria e torcida em delírio, se juntam e fazem uma “vaquinha” para premiá-lo. Recebe uma grande quantia em dinheiro e repassa para os colegas Macaquinho e Lubião, e vai participar da festa até o dia amanhecer, quando descansa para retornar à Santa Rosa.
Pouco tempo depois, Juca Alfaiate retorna a Itabuna, desta vez para jogar no Grêmio, no qual ficou uma temporada até ser “vendido” para a Associação Athletica Itabunense (AAI), equipe em que foi pentacampeão em Itabuna. Centroavante titular, tinha como reservas os craques Clóvis Aquino e Elísio Peito de Pomba, que possuíam futebol para jogar em qualquer equipe da Bahia ou Rio de Janeiro.
Centroavante e goleador, era conhecido pelos belos gols que marcava. Altamente disciplinado, de estatura baixa e magro, era bastante arisco com a bola, driblava com perfeição, o que talvez tenha contribuído para parar de jogar, de tanto os zagueiros baterem em seus joelhos. Bom mesmo era apreciar seus treinamentos, quando amarrava um jereré (pequena rede de pesca circular) nas “gavetas” da trave para treinar os gols espetaculares que marcava.
*Radialista, jornalista e advogado
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