O professor Érito Machado e campus da universidade |
Por
Walmir
Rosário*
Estudar
na Federação das Escolas Superiores de Ilhéus e Itabuna (Fespi), atual
Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc) era um sufoco, principalmente no
turno da noite. Isso nas décadas de 1970/80, por falta de estrutura nos
transportes coletivos, sempre superlotados e em horários espaçados. Bem melhor ir
de carro próprio ou uma providencial carona.
Mas
esses eram os problemas enfrentados fora dos muros da sonhada futura universidade.
Dentro, novos e diferentes problemas se avolumavam, como a falta de pagamento
aos professores e funcionários, o que desaguava em constantes greves; falta
constante de energia elétrica, que transferiam os alunos das salas de aula para
o bar do Jabá, no bairro do Salobrinho.
Achávamos
graça das agruras que passávamos, tendo em vista a excepcional qualidade de
conhecimento dos professores, grandes profissionais do direito na magistratura,
ministério público, advogados. A grande maioria não possuía os famosos títulos
de doutores, tão em voga na atualidade, mas esbanjava sabedoria, prontos para
dar aulas de improviso de qualquer matéria ou tema.
E um
desses professores merece destaque, Érito Francisco Machado, ex-juiz de Direito
e, à época, juiz do Trabalho em Itabuna. Depois transferido para o Tribunal
Regional do Trabalho, em Salvador, no cargo de desembargador, chegando à
Presidência do TRT 5ª Região. Nascido em Xique-Xique (BA), nunca perdeu suas
origens naturais da região da caatinga.
Érito
Machado era um intelectual completo: foi professor da antiga Faculdade de
Ciências Econômicas de Itabuna (Facei), da Faculdade de Direito de Ilhéus, que
deram origem à Uesc, lecionando diversas matérias. Estudioso da filosofia, lia
os clássicos no original, em alemão, e se correspondia com filósofos de várias
partes do mundo.
Levava
sua vida privada de forma reservada, embora tivesse uma vida social normal,
poucos eram os amigos mais chegados. Aos sábados não perdia a tradicional
feijoada do restaurante do Pálace Hotel, posteriormente no Baby Beef, em
Itabuna. Amante dos vinhos alemães, falava com propriedade deles, classificando
os melhores e desprezando os tantos que considerava “vinagre”.
Em
nossa turma lecionou Direito Civil (todo o curso). E nossa sala era pra lá de
especial quase semelhante à arca de Noé, com todos os bichos. A garotada, os de
meia idade, e os “coroas”. Entre estes, aposentados, profissionais de outras
áreas que vieram incorporar o direito como conhecimento, e até professores da
Uesc que lecionavam em outros departamentos. Era uma classe especial.
Tínhamos
aulas com ele na sexta-feira à noite e no sábado pela manhã. Em cada uma delas
elegia três pontos, devidamente assinalados no quadro-negro e passava a
descrevê-lo com desenvoltura por cerca de 50 minutos. O tempo restante
destinava a tirar dúvidas, conversar amenidades e tirar sarro de alguns alunos,
na opinião dele, diferentes.
O
professor Érito Machado possuia um Opala Diplomata, branco, já de certa idade,
veículo com o qual se deslocava de Itabuna à Uesc. Volta e meia o carro apresentava
alguns problemas mecânicos e nos deixava preocupados, principalmente no
retorno, a partir das 22 horas, no percurso dos 13 quilômetros entre a
universidade e Itabuna.
Assim
que ele saia, um ou dois veículos dos alunos passavam a segui-lo, por questões
de segurança. Certa noite os faróis apagaram e iluminamos o trajeto até sua
casa. De outra feita, o velho Opala começou a falhar e o professor se dirigia
ao acostamento até que o motor voltasse a firmar. E assim seguiu por uns poucos
quilômetros.
Mas
não teve jeito e o velho Opala surrado do professor Érito Machado parou de vez
e por mais que ele tentasse não conseguia fazer o motor funcionar. Dois carros
parados e uns seis ou sete alunos dando cobertura. Entre eles dois alunos do
curso de Direito e professores do departamento de Economia e Administração:
Geraldo Borges e Joelson Matos, também dirigentes da Ceplac.
Lá
pras tantas, Joelson, que era prendado em várias artes, pede que o professor
abra o capô do carro e começa a verificar os cabos de vela, distribuidor,
carburador e todas essas pecinhas que gostavam de complicar. De repente dá o
diagnóstico: é o platinado, pega uma chave de fenda no carro de Geraldo Borges
e consegue arrumar o defeito. E seguimos no comboio até Itabuna.
Na
manhã de sábado, eis que chega à sala o professor Érito Machado, dá uma olhada
profunda nos alunos presentes e descobre Joelson Matos. Sem mais delongas, pergunta
ao colega professor: “Não sei por que você quer estudar direito, já que podia
muito bem continuar como mecânico, que é o que sabe muito bem”. Gargalhadas por
uns cinco minutos e o professor Érito inicia a aula como se nada tivesse
acontecido.
*Radialista,
jornalista e advogado.
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