Em 1965 o Santos de Pelé jogou em Ilhéus (foto acervo Santos) |
Por
Walmir
Rosário*
O
brasileiro sempre foi apaixonado pelo futebol. Não conheço nenhuma pesquisa que
nos coloque no topo da pirâmide entre os vários países do mundo, mas nem
precisa, somos nós e pronto. Nenhum povo alcançou os nossos feitos em copas do
mundo, temos resultados fantásticos nos campeonatos mundiais de clubes e mais
que o valham.
E nos
apaixonamos por um clube, devotando a ele toda a nossa paixão. Pra cada um de
nós o meu time é o melhor e só não ganhou o campeonato por fatores extracampo,
como as decisões dos árbitros de futebol, cujas coitadas das mães são xingadas por
qualquer motivo fútil. Pouco interessa se os diretores não contrataram os
melhores jogadores e sim pernas de pau.
Mais
que torcer por um time, alguns se apaixonam – no bom sentido – pelos craques, e
isso tenho como provar desde meus tempos de menino lá pras bandas do ainda
bucólico bairro da Conceição, em Itabuna. Tínhamos os nossos craques, jogadores
dos times amadores e da imbatível Seleção Amadora de Itabuna, mas também
devotávamos nosso amor pelos craques do Rio de Janeiro e São Paulo.
E um
desses era o Tio Coló, que não era bom de bola, mas gostava de jogar com
estilo. Estilo, aliás, era com o próprio: não dispensava uma calça de linho passada
a ferro com goma, um sapato do tipo mocassim branco, camisa esporte listrada,
fino violonista. No máximo se permitia andar com sandália japonesa, a legítima,
nas cores preto e branco, como do Santos de Pelé.
E ele
era um exímio motorista, escolhido a dedo por grandes empresários para viagens,
muita delas voltadas para jogos de futebol. Segurança total com o Tio Coló ao
volante. E quando o assunto versava sobre futebol ele cortava qualquer conversa
e dizia em alto e bom som: “Só morrerei depois de ver Pelé jogar”. Já era um
mantra incorporado ao tema futebol.
Pois
bem, lá pros idos de 1964, se não me engano, chega a grande oportunidade para o
Tio Coló realizar seu eterno desejo, com a notícia dada na resenha esportiva da
Rádio Bandeirantes de São Paulo, informando que o imbatível Santos viria a
Salvador enfrentar o Bahia. Foi um alvoroço no salão de sinuca de Ismael. Seria
agora ou nunca para Tio Coló.
Na
mesma hora começaram a planejar a viagem entre os presentes. Tio Coló, o mestre
de obras da prefeitura, Antônio Cruz, o comerciante Nicanor Conceição, o dono
de bar Teles, o comerciante de leite e cana Nivaldo (Cacau). O próximo passo
seria alugar um carro e embarcarem para a capital baiana e assistir ao jogo com
o Rei do Futebol, Pelé.
E no
próprio bairro da Conceição alugaram um carro de praça (táxi), o jipe de
Eliseu, também interessado em assistir à partida. Na data marcada partiram para
Salvador onde realizariam o sonho, antes considerado impossível. E as estradas
daquela época eram horríveis, de terra batida até Jequié, e daí pra frente o
asfalto da Rio-Bahia e da BA- 324 até a capital.
Chegaram
um pouco antes do início do jogo, e torceram por Pelé, que marcou os dois gols
do time santista. Partida encerrada, eles tomaram a estrada de volta e ao
chegar a Feira de Santana Eliseu se sentia cansado. O jeito era passar o
volante para o colega Tio Coló. E esse era um gesto ímpar, pois o jipe de Eliseu
ninguém dirigia. E Tio Coló seria o primeiro a ter o privilégio.
Tomaram
um café e partiram, passaram por Feira de Santana, e tocaram pela famosa
Rio-Bahia. Madrugada pela frente, muitos caminhões e ônibus na estrada tornavam
intenso o movimento. Lá pelas tantas, um caminhão tenta ultrapassar outro e dá
de cara com o jipe que conduzia nossos torcedores que voltavam pra casa.
O
choque foi inevitável e o caminhão atingiu o jipe do lado esquerdo. Rodovia interditada
por causa do acidente os passantes iniciaram o atendimento aos seis ocupantes
do jipe, todos bastante machucados e iam sendo levados para o hospital mais
próximo. Na realidade, somente quatro puderam ser atendidos: Antônio Cruz,
Teles, Nicanor e Nivaldo Cacau.
Na direção
Tio Coló não resistiu ao impacto da colisão e morreu no local. O Mesmo destino
teve Eliseu, o proprietário do jipe, que se encontrava sentado logo atrás do banco
do motorista. Assim que a notícia chega a Itabuna, se instala um clamor no
bairro da Conceição, que passa a chorar seus mortos e feridos.
Acredito
que, em relação ao Tio Coló, a profecia foi feita: morreu exatamente após ter
assistido jogar o seu grande ídolo, Pelé, o Rei do Futebol. Nunca mais um solo
de violão do Tio Coló, que sempre era lembrado quando o assunto no salão de
sinuca de Ismael era o futebol. É triste entrar para a história por sua morte,
pois todos queriam que ele ressaltasse sua alegria ao ver Pelé jogar. E logo
mais, em 1965, Pelé jogou em Ilhéus, pertinho de casa.
*Radialista,
jornalista e advogado.
Olá, eu assisti o Rei Pelé jogar aqui em Ilhéus.
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