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Livro editado pela FICC em 2008 |
Por
Walmir
Rosário*
Embora
nunca tenhamos marcado qualquer encontro, religiosamente nos víamos, e sempre
ao cair da tarde. Posso afirmar que nossos hábitos eram bem distintos em
variados aspectos. Assim que terminava o expediente, eu o famoso operador de
som da antiga Rádio Clube de Itabuna, Eliezer Ribeiro (Corpinho de Leão), nos
dirigíamos ao Ita Bar para tomarmos um (uns) aperitivo(s).
Aos
poucos, vislumbrávamos a figura do nosso personagem cruzar a rua que separava a
praça Olinto Leone, onde morava, e embocar no beco em direção ao Ita Bar.
Passava rente ao saudoso castelinho, com sua pasta de couro, daquelas que os
vendedores viajantes utilizavam àquela época. No interior da pasta, nada de
talões de pedidos ou prospectos de publicidades. Só poesias.
Pelo
caminho o ritual diário era o mesmo: cumprimentava a todos com sorrisos,
algumas frases de elogios, especialmente flores para as mulheres. Essa
distinção era rotineira. As pessoas que ainda não o conheciam geralmente
olhavam aquela figura com desconfiança, até serem informados e certificados que
se tratava de Firmino Rocha, poeta, pessoa de bem, e para alguns com a cabeça
nas nuvens.
A
indumentária era a mesma: um terno surrado, voltado para a cor cinza, às vezes
com gravata, bem frouxa no pescoço e a cabeça protegida por um chapéu de baeta.
Sempre com um sorriso nos lábios. Se houvesse oportunidade, abriria a maleta e
pegaria os papéis soltos ou o caderno e os mostraria, declamando uma das
dezenas de poesias.
Ao
chegar ao Ita, sentava-se num banco junto ao balcão ou à mesa diante dos
convites. Luzia, a garçonete com anos de experiência e conhecimento dos
fregueses, lhe servia uma cachacinha pura ou o famoso “leite de onça”,
aperitivo da casa. Engrenava a conversa, apresentava seus novos trabalhos,
desfiava versos de seus novos poemas.
Nascido
em 7-6-1910, à época desses nossos encontros (1964-65 em diante), Firmino
Rocha, diplomado em Ciências e Letras, pouco se preocupava com o academicismo e
sim com o que lhe rodeava. E assim, rodava, ou rondava Itabuna ao cair da
noite, visitando bares e lanchonetes, revendo os amigos, conversando ou
declamando versos.
Quem
recorda bastante de Firmino Rocha é o advogado Gabriel Nunes (ex-presidente da
OAB de Itabuna), muitas das vezes dos encontros na choperia e lanchonete Model,
na avenida do Cinquentenário. Para Gabriel, Firmino Rocha era um poeta que
quebrou os tabus e padrões da época, com um estilo eminentemente conhecido como
o modernismo baiano.
E
numa das viagens aos Estados Unidos, Gabriel Nunes foi visitar a sede da
Organização das Nações Unidas (ONU), que exibe em seu hall uma bela homenagem a
mais conhecida poesia de Firmino Rocha, “Deram um Fuzil ao Menino”, concebida por
protesto à Segunda Guerra Mundial. “Assim que vi a mensagem me senti também celebrado,
pois era um grapiúna como o amigo Firmino Rocha”, declara Gabriel.
Mas
como o tempo é implacável, Firmino Rocha morre aos 61 anos (1º de julho de
1971), deixando parte de sua obra publicada em jornais de Ilhéus e Itabuna e
singelos livros que editou. Mas quis o tempo preparar a reabilitação do poeta
itabunense em 2008, por ação do professor Flávio Simões Costa, quando
diretor-presidente da Fundação Itabunense de Cultura e Cidadania (FICC).
Ao
chegar a Itabuna em início dos anos 1960, o professor Flávio Simões foi um
daqueles abordados pelo poeta Firmino Rocha, enquanto passeava com sua filha
pela praça Olinto Leone. Em quase todas as tardes Flávio Simões ouvia os poemas
de Firmino Rocha. Na FICC chegou a oportunidade de homenagear o poeta
itabunense, editando o livro “Firmino Rocha – Poemas escolhidos e inéditos”,
editado pela Via Litterarum.
O meu
exemplar, autografado por Flávio Simões, é guardado como uma relíquia em local
de destaque na minha biblioteca.
*Radialista
Jornalista e advogado.
DERAM
UM FUZIL AO MENINO
Adeus
luares de Maio.
Adeus
tranças de Maria.
Nunca
mais a inocência,
nunca
mais a alegria,
nunca
mais a grande música
no
coração do menino.
Agora
é o tambor da morte
rufando
nos campos negros.
Agora
são os pés violentos
ferindo
a terra bendita.
A
cantiga, onde ficou a cantiga?
No
caderno de números,
o
verso ficou sozinho.
Adeus
ribeirinhos dourados.
Adeus
estrelas tangíveis.
Adeus
tudo que é de Deus.
DERAM
UM FUZIL AO MENINO
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