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Eduardo Mello, o alquimista da cachaça Coqueiro, de Paraty |
Costumeiramente
sou chamado de cachaceiro pelo hábito de apreciar esse fantástico néctar da
cana. Não tergiverso e parto para o ataque contra o ingênuo: Alto lá, exijo
tratamento correto e adequado! Sou apenas um apreciador da boa cachaça, e provo
que conheço os bons e verdadeiros cachaceiros, aqueles que sabem destilar a
cana, transformando-a em cachaça de primeira qualidade.
E, na
ponta da língua, me recordo das boas cachaças que bebi. Não foram poucas, assim
de contar na hora, sem fazer conta dos anos, meses e dias, além de tirar uma
média, sem a precisão científica. O melhor cachaceiro que conheci até a
presente data foi Antônio Mello, de Paraty, o alquimista das cachaças Vamos
Nessa, Quero Essa e Coqueiro.
E Antônio
Mello fez todas elas bem-feitas, com rigor na escolha das canas, plantadas por
ele e adubadas com uma mistura que somente ele conhecia. Cortou a cana, tem que
moer no mesmo dia, e não tirava o olho do alambique, controlando o fogo,
desprezando a cabeça e o rabo. Como ele dizia, “a cachaça não basta ser boa, tem
que ter alma, por isso feita com o coração”.
Não
conheci outro cachaceiro com tanto capricho e parecia que cada litro alambicado
era um filho. E não é que de tanto ele pensar assim, iniciou o seu filho
primogênito, Eduardo Mello, na arte de modelar cachaça. Quando se despediu deste
mundo, partiu com o sentimento do dever cumprido, por ter oferecido não apenas
um produto, e sim o néctar do bem-estar, da satisfação, da alegria, do prazer.
E
essa história é longa, o que comprova a sabedoria da família Melo, que desde
1803, labuta na produção de cachaça. Com a venda da Fazenda Boa Vista, onde se
localizava o Engenho a Vapor, no final da década de 1970, a tradição esteve
ameaçada. E é justamente aí que entra a vocação familiar herdada por Eduardo
Mello (Eduardinho), disposto a continuar a fabricação de cachaça de alta
qualidade.
E do
nascimento da cachaça Coqueiro sob a batuta de Eduardo Melo, assumo que falo de
cátedra, pois acompanhei, pessoalmente, desde as primeiras conversas da
negociação de Eduardinho com Ormindo até o fechamento. E a concretização da
aquisição da marca Coqueiro – com alambique, inclusive – ganhou ares de roteiro
de cinema, tanto pela data quanto pelas testemunhas.
Lembro-me
bem daquela Sexta-Feira Santa – ou da Paixão –, de 1979, dia em que acordamos
cedo – apesar da noitada no Paratiense Atlético Clube (PAC) – para embarcar na
“Kombi”, barco cedido por Jorginho de Mané Rita, o comandante. E a tripulação
era composta por Eduardinho, Neguinho (Antônio Carlos Mello), Luiz Mello
(Piranha), e este que vos narra esta epopeia.
O
percurso até fazenda de Ormindo não era muito longo, mas o único meio de acesso
era o marítimo. Precavidos, providenciamos o abastecimento da “Kombi” e a
provisão de víveres: um litro de cachaça, alguns sanduíches de filé, e uma
caixa de cervejas em latas. De cara, Madalena, a cozinheira do “Bem-me-Quer”,
se negou a preparar os sanduíches, mas acatou os conselhos do proprietário.
Embarcados,
buscamos a melhor rota e a viagem tomou rumo em mar de almirante. Nossa
expectativa em relação ao fechamento do negócio era positiva, como realmente
aconteceu. Enquanto Eduardinho negociava, bebemos um litro de Coqueiro, da
“zuleiga ou zuleica” (azulada). Era só retornar à cidade e continuar a comemoração. Afinal
nossa cachaça de qualidade estava garantida.
Motor
ligado, apontamos a proa da “Kombi” em direção ao cais de Paraty e continuamos
as comemorações. Yes, we have
Coqueiro! E não é que aí surge o Sobrenatural de Almeida, como queria Nelson
Rodrigues, com reais intenções de colocar água em nossa cachaça. É que o motor
da velha “Kombi” cansada de guerra começou a falhar.
Após
uma refinada análise da tripulação, eis que é conhecido o diagnóstico: junta de
tampão queimada. E aí iniciamos uma verdadeira operação de guerra para
aportamos no cais sãos e salvos. Bastava ligar o motor e fazer o barco se
deslocar por cerca de 10 minutos, desligando-o em seguida para evitar
superaquecimento. E calmamente continuamos a viagem.
Em terra,
nossos familiares nos esperavam impacientes. E a notícia (hoje fake news) circulava com celeridade para
além da beirada do cais. Na língua de Madalena, castigo divino aos hereges que
comeram carne na Sexta-Feira da Paixão. Para muitos, estaríamos acomodados no
fundo mar, enquanto outros tantos não perdiam a esperança.
Por
volta das 21 horas (cerca de três de atraso) os teimosos que permaneciam no
cais vislumbraram uma tênue luz se movendo vagarosamente no horizonte. “Com
certeza são eles”, desabafavam nossos familiares, agradecendo a Deus. E éramos
nós, contentes e satisfeitos pelo dever cumprido. Não tomaríamos chá com
torradas enquanto existisse a Coqueiro em Paraty. A emoção contagiou.
Como
esquecer a montagem do engenho d’água, do alambique, na fazenda São João, região
do Cabral, com a supervisão do alquimista Antônio Mello, que continuou a
repassar todo o conhecimento ao primogênito Eduardinho. Foi pule de 10, como se
diz na gíria, e a Coqueiro ganhou Paraty e os apreciadores da boa cachaça no
Brasil e no mundo.
Como
testemunha ocular do fato, testei, aprovei e até hoje degusto a Coqueiro.
*Radialista,
jornalista e advogado
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Eduardo Mello, Walmir Rosário e Antônio Carlos Mello, no alambique da Coqueiro |
Gosto,sou apreciador amador da boa cachaça,mas quase não a bebo por questões de saúde. A história aqui contada sobre a Coqueiro me obriga a ir até Canavieiras degustar a danada.
ResponderExcluirSe Walmir Rosário falou não tem o que contestar, é de primeira mesmo. Vou a praia de atalaia me deliciar naquelas águas azuis e tomar um coqueirinho
ResponderExcluirO que faço para ter uma Coqueiro? Vou ter que plantar um pé de côco??????????
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