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A Composer da IBM era o sonho de qualquer digitador |
Por
Walmir
Rosário*
Nisvaldo Damasceno era uma
figura ímpar. Nascido em Anuri, distrito de Arataca, chegou ainda menino em
Itabuna e logo se ambientou no bairro da Conceição. Bom aluno, sempre passava
de ano com distinção e louvor nos cursos primário e ginasial. Era reconhecido
pela sua intimidade com o a gramática portuguesa, matemática e outras
disciplinas.
Com a mesma intensidade em que
se debruçava nos livros se ambientava bem nos bares da vizinhança, que para ele
não era apenas um local onde se praticava o esporte etílico, mas também a
poesia. Enquanto apreciava as cervejas geladas declamava com intimidade os
versos de Gregório de Matos, Castro Alves, Sosígenes Costa e outros que tais.
Exímio na datilografia e na
língua portuguesa, desde cedo se especializou nos textos cartorários. Datilografava
compromissos, escrituras de compra e venda e as certidões mais diversas, com o
mais legítimo português adaptado aos termos jurídicos, sem erros e em tempo recorde,
impressionando os serventuários dos cartórios extrajudiciais e clientes.
Enquanto trabalhava as pessoas
ficavam embasbacadas ao acompanharem a velocidade com que seus treinados dedos
batiam nas teclas, além do movimento que fazia na alavanca para dar o espaço
vertical, imprimindo um barulho característico. Com um simples toque numa das
teclas movimentava o cilindro para frente criando parágrafos. Parecia que as
finas teclas da máquina iriam derreter diante da rapidez de movimentos. Era um
assombro.
E o seu conceito de excelente
datilógrafo ganhou a cidade de Itabuna, tanto assim que volta e meia faturava
mais do que o salário do cartório com os serviços particulares, prestados fora
do expediente. Mais dinheiro no bolso permitia a Damasceno dar bordejos pelos
cinemas, bares, enfim, frequentar os melhores divertimentos que a Itabuna da
década de 1950/60 dispunha.
E o seu conceito profissional
chegou às grandes empresas. Com a ampliação da Ceplac logo foi convidado a trabalhar
na Divisão de Comunicação (Dicom), como copy desk, revisando textos, muitas das vezes transferindo-os dos pesados gravadores para o papel as matérias trazidas
pelos repórteres para a produção de releases, jornais e livros.
Numa simples máquina de datilografia
(Royal, Underwood, Remington, Olivetti, Corona, Hermes), Damasceno conseguia
tirar recursos inimagináveis, e assim passou a ministrar cursos internos na
Ceplac. Quando a Ceplac comprou uma IBM Composer (de esfera) ele foi o primeiro
a trabalhar com ela. Sentia-se como dirigisse um Cadilac do ano, zero
quilômetro.
E Damasceno era aquele colega
para toda a obra. Festeiro por excelência, às sextas-feiras iniciava farras
homéricas no Beco do Fuxico, especialmente no ABC da Noite, do Caboclo Alencar,
onde era um dos mais famosos alunos repetentes. No bar de Dortas disputavam as
poesias com o dono do bar até que o último freguês resolvesse abandonar o
ambiente.
Para Damasceno a noite era uma
criança e qualquer porta aberta com garrafas cheias e geladas para ele era um
abrigo. Nos locais que ainda não era conhecido, já com a alegria em alta, não
pestanejava em dizer que era de boa paz, gente de bem, e dono da empresa que
tinha dezenas de jipes pretos rodando pelo sul da Bahia. Eram os jipes da
Ceplac.
E tudo que Damasceno fazia era
com disposição, muitas vezes amanhecendo o dia na Dicom tirando os textos dos nossos
gravadores e revertendo-os no papel para a diagramação, amparado por um galão
térmico com café. Certo dia termina sua empreitada e pega uma carona para casa,
na qual descansaria até o meio-dia e retornaria à tarde para uma nova rodada de
trabalho.
Na esquina da avenida Amélia
Amado com a São Vicente de Paula, no conhecido canal da Amélia Amado, desce do
carro da Ceplac, agradece a carona e dá meia volta para se dirigir ao seu lar.
Eis que de repente surge um fusca desgovernado que o atinge e lhe joga no canal,
fugindo sem prestar socorro. Com sono e agora todo sujo pelo esgoto, inicia a
subida pelo talude e ao chegar na calçada, uma multidão lhe olhava com desdobrada
atenção.
– Olha aí, em plena manhã já com
a cara cheia de cachaça cai no canal –, o esculachavam sem conceder o mínimo
direito de defesa. Um deboche e fake news.
Não restou alternativa ao amigo
Damasceno do que ir a pé até sua casa, tomar banho, dormir um pouco e retornar
ao trabalho logo após o almoço, para encarar os imensos textos que teria que “bater”
(digitar) na IBM Composer e revisá-los para as publicações ceplaqueanas.
Nem mesmo o inusitado acidente o
desviou de sua responsabilidade.
*Radialista,
jornalista e advogado.
Pura verdade o que o amigo walmir rosário falou do Nisvaldo Santos Damasceno, popularmente conhecido como damasceno. Trabalhamos juntos e fomos parceiros no corte de cana pelas madrugada Itabunense. Posso acrescentar que além se tudo que foi dito, era Damasceno um Eximio dançador de tango
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