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Saída da expedição do Cais da rua da Prata |
Walmir Rosário*
Nem ao menos
precisamos de vestimentas do século XV para empreender a maior expedição já
realizada nas águas de Canavieiras neste século XXI, a Circunavegação Tyrone
Perrucho. Finalmente, no fatídico domingo (7 de junho de 2020), data que ficará
na história, a expedição zarpa às 7h30min do cais da rua da Prata em duas
canoas, levando a bordo 15 pessoas (comandantes, contramestres, cinegrafista,
cartógrafo e aventureiros).
O título foi
uma honraria justamente concedida pelo grupo Apaixonados Por Canavieiras em
homenagem ao jornalista desocupado que sonhava com essa epopeia há 27 anos,
finalmente concretizada para o gáudio dos membros da Confraria d’O Berimbau e
do Clube dos Rolas Cansadas. Finalmente, chegou a hora de singrar os rios
Patipe, Cipó, Pardo e Salsa, num percurso de 47 quilômetros.
E não era pra
menos, nesses últimos 27 anos, em todas as reuniões semanais a circunavegação
era objeto de planejamento que jamais chegou ao papel, embora tenha passado por
debates acalorados. Comandantes e tripulação de canoas apalavrados, rotas
estabelecidas, pontos de apoio nomeados e até o fazendeiro e pescador Bakura já
tinha se comprometido a preparar um rega-bofe à base de guaiamuns, lambretas e
frutos do mar.
Nessas
reuniões de planejamento – que mais pareciam uma tempestade de ideias – sempre
notei o olhar de soslaio de Bené, o comandante do Bar Laranjeiras, como quem
queria dizer que carvão de muita fumaça não produz bom fogo. Como preparação,
Tyrone foi até Barra Grande, em Maraú, para tomar um curso intensivo de
navegação: por 15 dias dedicou as manhãs em aulas práticas e as tardes noites
em aulas teóricas bares afora.
Agora, enfim,
a expedição reunia os atributos necessários para singrar os rios canavieirenses:
o know how das navegações anteriores do grupo Apaixonados por
Canavieiras e a experiência – que alguns maldosamente chamam de velhice – dos
membros da Confraria d’O Berimbau e do Clube dos Rolas Cansadas. Tudo sairia
conforme o planejado.
Pra começo de conversa,
às 5h30min um lauto desejum foi servido nas instalações da Padaria O Berimbau:
no cardápio, sobe e desce bovino acompanhado de pirão e quiabos, preparados
pelo chef Zé do Gás, reforçado com viúva de carneiro prato da especialidade de
Juninho da Ótica, todos regados a mais legítima Asa Branca e cerveja bem
gelada, como determina o manual de boas prática de viagem.
Barrigas
cheias, chegou a hora de trabalho: o abastecimento das canoas com as caixas de
isopor, as vasilhas plásticas com as farofas de torresmo e tripas, além das de
carne de sol com cebola. Todos a bordo, zarpamos singrando as águas do rio
Patipe, olhando os manguezais, as casas ribeirinhas construídas sobre palafitas
para evitar as enchentes, as constantes canoas que cruzávamos.
Entre uma
cerveja e outra, que ninguém é de ferro, chegamos à primeira parada, ávidos
pelas farofas, comidas embaixo dos pés de abiu no chão enfeitado como uma
almofada carmesim. Nos esperava à frente o rio Pardo, um pit stop providencial
para os experimentados setentões colocarem as costelas no lugar certo e posar
para a foto histórica na bifurcação com o rio Cipó.
Como disse, o
planejamento é 99% de acerto numa viagem, o problema foi esse 1%, que não
chegou a enodoar a expedição, mas causou maus momentos no confrade Tedesco,
cabra prevenido, que não esqueceu de levar seu astrolábio e sua cadeira de
recosto para viajar confortavelmente. No porto, Tedesco fez questão de mostrar
a nota fiscal de 52 anos atrás, de um produto resistente e que não mais se
fabrica.
Para o
desgosto do nosso alemão, apesar de italiano, a cadeira sofreu a primeira pane,
salvando o casco da canoa. Mas nada que lhe moesse os ossos, examinados no dia
seguinte por um competente ortopedista. De ruim mesmo só a estrepitosa
gargalhada. Uma foto daqui, um filme dali, a vida dos ribeirinhos e o meio
ambiente iam sendo documentados pelas potentes lentes dos confrades.
Lá pras
tantas, com as barrigas roncando de fome, passamos pela histórica fazenda
Cubículo, na qual foi plantado o primeiro cacaueiro da Bahia, em 1746,
responsável pela formação de riquezas no Sul da Bahia. Mais a frente nos
aguardavam duas galinhas balão – uma ensopada e outra a molho pardo –
preparadas no restaurante de Juraci, que foram consumidas logo após os
guaiamuns e umas lapadas da boa cachaça mineira.
Barriga cheia,
todos acomodados nas canoas só restava sair do rio Salsa e empreender a volta
pelo rio Pardo à cidade. Às 16h35min aportamos, posamos para a foto e marcamos
um novo passeio, desta vez para a Lagoa do Rocha. Mais do que um dia de
recreação científica (será que existe?), a felicidade estampada nos rostos dos
gatões de meia idade agradecia a Deus por não ter sido preciso recorrer aos
conhecimentos náuticos de Tyrone.
É vida que
segue e como se diz que enquanto o frade descansa carrega pedra, teremos na
quinta-feira (11) uma reunião conjunta da Confraria d’O Berimbau e do Clube dos
Rolas Cansadas para dar início ao planejamento da próxima aventura e receber a
cartografia da Circunavegação. No encontro também está previsto o resgate das
sobras do sobe e desce e da viúva de carneiro que encontram-se hibernando no
freezer da Confraria d’O Berimbau.
EXPEDIÇÃO HISTÓRICA
Um dia inteiro apreciando e
documentando flora, fauna, acidentes geográficos e antigas fazendas de longos
trechos dos rios Patipe, Cipó e Pardo, inclusive da barra do Salsa, que deságua
no Pardo. Foi assim a expedição de 360 graus que um grupo de amantes da
preservação e promoção da história do município realizou em torno da ilha de
Canavieiras.
Acomodados em duas canoas
com motor de rabeta, os 15 membros da excursão partiram do cais do Birindiba
(Antigo porto de Zé de Birrinha) às 7h30min e a ele retornou às 16h30, após
singrar por 47 km de nossos cursos d’água entre manguezais, coqueirais,
cacauais, pastagens e retalhos da mata atlântica, além de trechos de áreas
degradadas.
Parada na bifurcação do Rio Pardo
Ao longo do percurso de 9
horas a expedição teve três paradas para observações mais detidas desses
sítios. A expedição também fez uma escala para fotos na bifurcação entre os
rios Pardo e Cipó (braço do rio Pardo) A última parada – de hora e meia – se
deu no conhecido Restaurante do Juraci, às margens do rio Salsa, para almoço.
O grupo Apaixonados por
Canavieiras, sob a liderança de Caio Loureiro Peltier e Miguel Fróes, foi quem
promoveu esta expedição, batizada de 1ª Circunavegação Tyrone Perrucho,
jornalista canavieirense desocupado que há anos especulava sobre a conveniência
de se investir nesse projeto. Tyrone, além de homenageado foi um dos
integrantes da expedição.
O fotógrafo e cinegrafista
Vanderson Plínio e o cartógrafo Lando integraram o grupo, formado pelo
memorialista Raimundo Antônio Tedesco, artista plástico Eliomar Tesbita,
jornalista Walmir Rosário, empresários Zé do Gás, Juninho e Lecépis, servidor
público aposentado Nelson Amarelão e o engenheiro aposentado Gilbertão Mineiro,
radicado aqui com a família há 10 anos.
Os barqueiros Nilson
Calafate e Davi da Barca foram responsáveis por pilotar as duas embarcações,
uma cedida pela Colônia Z-20 de Pescadores e Aquicultores e outra pelo próprio
barqueiro Nilson Calafate. Com o passar dos anos, segundo os barqueiros, muitos
dos moradores das beiradas desses rios se mudaram para a cidade, ficando poucos
pescadores e trabalhadores rurais.
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