DE BAR EM BAR ATÉ CHEGAR AO BERIMBAU

 

Os confrades em plena atividade


Por Walmir Rosário

Neném de Argemiro, que também atendia pelo nome de Eliezer Rodrigues, era o todo-poderoso proprietário do boteco mais conceituado de Canavieiras, dada a sua distinta clientela etílica. De vez em quando Neném tentava se despistar do grupo, mas eles não desistiam e o acompanhava nos mais diversos novos endereços, que não foram poucos e localizado em várias ruas.

Na verdade, o Berimbau não nasceu com esse nome, cujo batismo se deu em data distinta da pioneira bodega Satélite, aquele comércio de secos e molhados para o abastecimento das despensas das residências. Estabelecida na pomposa sua 13 (Octávio Mangabeira), as bebidas, por conta dos “molhados” eram servidas aos compradores de mercadorias enquanto faziam as compras para casa.

A Casa Satélite era uma homenagem às pioneiras viagens espaciais, e os nomes Sputnik, Soyuz, Mercury, Apollo passaram a emprestar seus prestígios às casas comerciais Brasil afora, mesmo que poucos soubessem a razão da homenagem. E assim, entre quilos de feijão, arroz, litros de querosene, jabá e bacalhau, uma boa “farmácia” de cachaça com folhas e cerveja gelada eram apresentadas aos clientes.

Com o passar do tempo, Neném encerra as atividades da Casa Satélite e se estabelece na avenida Rio Branco e, em seguida, na praça da Feira, esquina com a avenida Assis Gonçalves. A venda (mercearia) agora tem a sociedade de Himério Cavalcante, mas uma porta lateral nos fundos do imóvel foi destinado ao futuro Berimbau, local que homiziava os amigos bebedores das cachaças de folhas e cerveja.

Aos sábados, era servida uma moqueca, com o peixe e os devidos temperos comprados e preparados por Juvenal, ou dona Juvênia, como gostava de ser chamado por ser homossexual e se achar feminina, numa época sem o politicamente correto. Logo cedo ao se deslocarem para providenciarem as compras na feira, os frequentadores passavam para pedir a benção a Neném e deixar o dinheiro para o preparo da peixada.

Entre a distinta clientela, funcionários do Banco do Brasil, Ceplac, cacauicultores, desocupados e outras figuras do gênero, todas formadas pela fina-flor da boemia canavieirense, o que não era pouca coisa. Mas uma mudança na praça da Feira e Neném de Argemiro resolve se mudar para junto de sua casa, nos fundos, com entrada pela lateral, como era de tradição e costume.

Localização melhor não haveria por se tratar de um beco – o Beco d’O Berimbau, como passou a ser conhecido – que ostentava o pomposo nome de rua Dr. João de Sá Rodrigues, no conceituadíssimo trecho compreendido entre a esquina de Tião da Kombi até a rua Dr. José Marcelino. Apenas uma portinha, que seria aberta às tardes das sextas-feiras e sábados para receber os clientes.

Da famosa moqueca da praça da Feira, o tira-gosto passou a ser o famoso caranguejo de Canavieiras, capturado vivo na ilha da Atalaia, local em que Neném de Argemiro mantinha a cabana Samburá, onde recepcionava veranistas após a travessia de canoa no rio Patipe. E a organização sempre foi perfeita, sendo que as contas dos fiados de ambas as casas não se misturavam e cada era paga no local de origem.

Apesar dos apetitosos caranguejos, a distinta clientela era mais chegada a um prato de sustança, daqueles que aguentasse o tranco por horas a fio de bebidas variadas. Se bem que tinha os quibes feitos pela irmã de Estelito, supimpas, mas ainda não era o ideal. Até que um dia lembraram do famoso mal-assado servido na Casa Natal – em frente a boate Céu Azul – de Caboclo, irmão de Neném de Argemiro.

Desse dia em diante o mal-assado passou a ser o prato oficial d’O Berimbau, costume que perdura aos dias de hoje, com algumas mudanças, em decorrência da transformação em Confraria d’O Berimbau. De lá pra cá, tornou-se costume cada um dos confrades se responsabilizar pelo prato de cada sábado e ficaria desobrigado do pagamento da bebida, sendo que ao primeiro sábado de cada mês o mal-assado reinaria absoluto.

Como Neném de Argemiro mais que dono de bar era um colega, de pronto ficou legalmente estabelecido que o caixa seria da competência do proprietário, até determinado horário, assumindo, em seguida, o bancário Antônio Amorim Tolentino (Tolé). Escolha perfeita, já que Tolé acumulava a experiência dos botecos e do Banco do Brasil, principalmente na cobrança dos inadimplentes.

Para o exercício do cargo – promovido posteriormente para Secretário Plenipotenciário –, Tolé utilizava dois livros (borradores), um para as atas de decisões da Confraria d’O Berimbau e outro para os fiados. Mas do que fazer o assentamento no livro, Tolé tinha “olho de lince” para, em meio da bebedeira, descobrir os que deixavam o ambiente à francesa, alertando-os e cobrando-os na semana seguinte.

E assim O Berimbau se tornou sede da Confraria com o mesmo nome e passou a sediar um dos maiores eventos esportivo, cultural e etílico já visto na região de Canavieiras e em todo o Brasil: O Troféu Galeota de Ouro. Não levem a mal os apressados leitores, pois eram laureados com o troféu não os que bebiam mais, e sim os que mais aprontavam por conta da bebedeira durante o ano inteiro.

Com o passar dos anos, Neném de Argemiro se despede deste planeta e vai animar os carnavais no céu, se é que por lá também existem essas coisas boas tão em voga aqui na terra. Anos depois, atendendo a pedidos, seu genro e membro ativo da Confraria, Zé do Gás, para a alegria geral da nação, resolve reabrir a Confraria d’O Berimbau, que já mudou de instalações por três vezes, embora não tenha saído do prédio.


Comentários

  1. Otima historia amigo Walmir, que fica perpetuada aos anais na memória da linda Canes. Parabéns!

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  2. Assim segue , Canavieiras é suas histórias, obrigada por nós contar essas coisas interessantes!

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