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Na Confraria d'O Berimbau Tyrone Perrucho observava a satisfação de todos e me abastecia de cerveja na cozinha |
Por Walmir Rosário*
De há muito tempo a palavra amigo vem sendo descaracterizada
e usada para nomear pessoas que nos batemos no dia a dia, embora não possuímos
qualquer requisito de simpatia, confiança, ou quem sequer conhecemos. Às vezes
nos referimos a alguém como amigo apenas para fazer uma pergunta e queremos
mostrar educação ou alguma intimidade.
Na Canção da América, composta por Fernando Brant e Milton
Nascimento, a coisa é mais séria e solenemente expõe: “Amigo é coisa pra se
guardar/Debaixo de sete chaves/Dentro do coração...”. No Brasil o vocábulo
amigo tem o mesmo poder de um canivete suíço nas mãos de quem se encontra no
meio do mato sem cachorro e a usa como em mil e uma utilidades, como se fosse
Bombril.
Em nenhum outro país deste mundão de Deus a palavra “amigo” é
tão mal utilizada quanto no Brasil, quem sabe para mostrar aos cinco
continentes que somos o povo mais bonachão na face da terra. Fora daqui, o
brasileiro quebra a cara ao tentar dar um abraço em quem acabou de conhecer e
apenas pediu uma simples informação.
Pelos manuais de convivência dos gringos deve ser observado
um espaço regulamentar entre as pessoas desconhecidas, embora eu não possa
precisar em centímetros. Em Amigo, Alexandre O'Neill destaca: “Mal nos
conhecemos/ Inauguramos a palavra amigo!/ Amigo é um sorriso/De boca em
boca,/Um olhar bem limpo”.
Existem os que afirmam que alguns amigos são mais que irmãos, pois não nasceram e nem conviveram no mesmo lar, filhos dos mesmos pais, mas que devem não apenas sorrir com a boca quando nos veem, e sim demonstrar com os olhos, quem sabe abrir os braços. Para um conhecido meu, a responsabilidade é tanta, que o amigo tem a mesma obrigação de um padrinho com o afilhado.
Outros, nos quais me incluo, são de opinião que amigos de
verdade podem ser adquiridos num bar, desde que tenha a mesma qualidade de sua
segunda casa, ou melhor, segundo lar. Os mais exaltados chegam a afirmar,
categoricamente, que não se fazem amigos bebendo leite, líquido que não possui
nenhuma substância capaz de atrair dois viventes entre a troca de palavras
enquanto degustam uma cerveja.
No livro Crônicas de Boteco – um guia sem ordem, de nossa
humilde autoria está estampado: “Um bom botequim tem que possuir requisitos
essenciais para a volta do boêmio, seja no dia seguinte, no próximo fim de
semana, ou quem sabe, muito em breve”.
Como diz a canção de Adelino Moreira tão bem interpretada por
Nélson Gonçalves: “Boemia, aqui me tens de regresso/ e suplicando lhe peço a
minha nova inscrição/ Voltei, pra rever os amigos que um dia/ Deixei a chorar
de alegria/ Me acompanha o meu violão”.
E para reforçar, na mesma canção, até mesmo a mulher amada
dispensa com o coração transbordando de amor as aventuras de encontrar os
velhos amigos: “Acontece que a mulher que floriu meu caminho/ De ternura,
meiguice e carinho/ Sendo a vida do meu coração/ Compreendeu e abraçou-me
dizendo a sorrir/ Meu amor você pode partir/ Não esqueça do teu violão/ Vá
rever os teus rios, teus montes, cascatas/ Vá cantar em novas serenatas/ E
abraçar teus amigos leais”.
Como na música, mesmo sabendo que o boêmio andou distante, os
colegas de botequim o acolhem com todo o carinho para matar a saudade do tempo
de sumiço. Nada de gente falante a ironizar o afastamento, pois o que interessa
mesmo é o retorno do companheiro de mesa, de pé de balcão, para, juntos,
beberem novas e infinitas saideiras. Amigos de verdade, amigos do peito, como cantava
a Turma do Balão Mágico.
Os amigos não esquecem um do outro. Mesmo que distantes não
sossegam enquanto não se encontram. Não falo aqui do amigo de grupos de
whatsapp, de conversa decorada, curta. Mas daqueles que Paulo Leminski cita no
seu poema Amizade: “Meus amigos/ quando me dão a mão/ sempre deixam/ outra
coisa/ presença/ olhar/ lembrança, calor/ meus amigos/ quando me dão deixam/ na
minha/ a sua mão”.
De antemão aviso que olhares, sorrisos e gestos são os bens
mais preciosos do que presentes materiais, estes esquecidos facilmente.
Construí, mantive e mantenho um monte amigos de verdade, por todo o tempo.
Alguns somem no caminho, por falta de alguma liga que cimentaria a verdadeira
amizade. Coisa do passado. Mas não esqueçam que amigo é um bem muito caro.
Não poderia encerrar sem os gestos simples, consolidadores da
amizade e que muitos nem chegam a notar. Um deles, que nos deixou com
antecedência, Tyrone Perrucho, chegava ao extremo de observar as feições de
todos os amigos da Confraria d’O Berimbau, para, com um simples olhar,
descobrir quem por ventura não se sentia bem, satisfeito no momento.
E disso sou testemunha de quando me encontrava na prática do
fogão ou churrasqueira, o amigo Tyrone Perrucho chegava sorrateiramente com um
copo cheio de cerveja bem gelada e recomendava:
– Aproveite e beba, pois você está se prejudicado, sem beber
nesse calorão. Aproveite a farra, pois Deus deixou as boas coisas para todos
seus filhos –.
Gesto igual só partindo de um verdadeiro amigo!
Radialista, jornalista e advogado.
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